sexta-feira, 10 de abril de 2009

OS «CUIDADOS» NUM HOSPITAL

CÃO: Até que afinal, consegui ver-te. Estava com receio!
PINCHA:
Demoraste muito; já me ia embora para casa.

CÃO: Nem sabes o que me aconteceu!
PINCHA:
Senta-te, descansa e conta-me tudo quando deixares de estar com a língua de fora.

CÃO: Estava a fazer a minha voltinha do costume, quando numa casa donde tinha desaparecido m cão muito grande há já algum tempo e eu demarcava a minha área, vi um senhor ao portão. Fiquei sem saber se deveria ou não «marcar» o local, mas não me atrevi a fazê-lo com o senhor naquele sítio. Quando passei por ele e olhei para o seu semblante triste, ele afagou-me a cabeça e eu não fugi. Gostei. Enquanto fiquei ao pé dele, a olhar para o seu ar de tristeza, parece que ele ficou com vontade de falar. Ou desabafar?
PINCHA:
O que é que ele te disse?

CÃO: Disse-me que estava lá porque já não tinha a única companhia do cão que lhe tinham oferecido logo depois de ter enviuvado, recentemente. O cão morrera com uma doença súbita e ele já não tinha a sua companhia. Vinha ao portão «apanhar ar» e ver as pessoas. Disse-me que eu não tinha de «marcar a propriedade» porque podia considerá-la sua. O seu canzarrão já tinha «partido» para bem longe deixando-o só. A mulher também. Faltava só ele.
PINCHA:
Bem triste, mas realista.

CÃO: O que mais me impressionou, ao dizer-me isso, foi o seu ar muito tristonho e quase fatalista. Fiquei a olhar para ele, muito intrigado.
PINCHA: E ele disse-te mais alguma coisa?

CÃO: Sim. Como já tem bastante idade, com problemas de circulação sanguínea e de digestão, ao ver bastantes fezes negras e a sentir-se muito fraco, resolveu chamar a ambulância e ir para a urgência do hospital porque 15 anos antes tivera problemas com uma úlcera a sangrar, exigindo transfusão sanguínea urgente. Não desejava a repetição da situação.
PINCHA:
Um bocado aborrecido e assustador!

CÃO: Mas o pior é que depois de estar uma noite na urgência, foi transferido para um hospital onde o medicaram e lhe fizeram uma endoscopia que concluiu não existir qualquer úlcera mas sim uma hérnia no estômago. A partir do dia seguinte e sem fezes negras durante um dia, teve um fim-de-semana de descanso, fora do hospital, com medicação controlada pelo médico assistente e sem qualquer dieta especial.
PINCHA:
Ainda bem.

CÃO: Mas ele tomava medicamentos para os seus males de coração e circulação sanguínea que foram interrompidos e, no momento, durante o fim-de-semana, tinha de lidar com medicamentos com nomes completamente diferentes. Por isso, ele baralhou tudo, exagerou na dose e foi «de charola» para uma urgência porque se sentiu mal, vomitou sangue e desmaiou.
PINCHA:
Estás a deixar-me preocupado.

CÃO: Teve de levar uma transfusão de sangue e ficar de dieta rigorosa até fazer uma nova endoscopia e ver as fezes «normais». A nova endoscopia apresentou duas úlceras e a «famosa» hérnia. E ele perguntou-me: “Com esta diferença de «visualização», as hérnias estariam a jogar às escondidas? Ou o «especialista» estaria «cegueta»? Ou seria qualquer outra coisa que não convém dizer?
PINCHA:
Eu diria «qualquer outra coisa» por causa da pressa com que se «fabricam» os médicos e os especialistas. E ele não reclamou e ficou satisfeito?

CÃO: O que te posso dizer é que isso lhe custou mais uns dias que não foram agradáveis, porque num hospital em que se exige silêncio, o pessoal auxiliar não fazia outra coisa senão falar alto, discutir, quase «dar ordens» como, por exemplo, “saia da cama porque tenho de fazer a cama”, embora acrescentasse a essa linguagem com tom de ordem, as palavras «querido», «amor» ou qualquer outra equivalente. Este senhor também ficou «baralhado» porque sempre tratou todos os profissionais por «senhor» ou «senhora» e eles sempre o trataram, como a todos, por «você».
PINCHA:
Também não compreendo a diferença de tratamento de uns por «senhor» enquanto os outros o tratam por «você». Parece que estamos na «tropa».

CÃO: Será muito difícil tratar todos por «senhor/a»? De facto, vocês têm uns preconceitos «tão fabricados» pelo género humano! São todos iguais, mas todos diferentes, cada vez mais, à medida que sobra o dinheiro, a influência, o poder ou a indigência. Mas, o pior de tudo é que ele ficou com inchaços no braço para colocar as «sondas» de soro e de sangue. Ele diz que um enfermeiro alto, magro, de óculos, «bem falante» e com ar de convencido, tanto «escarafunchou» no seu braço que só colocou a agulha à terceira tentativa. Além disso, queria que o «doente» soubesse qual o seu grupo sanguíneo quando no dia anterior já lhe tinham sido feitas as análises e sabiam o grupo. Por isso, tirou o sangue por duas vezes «porque tinha havido uma falha técnica». Este homem, além de maltratado, ficou mais aflito ainda no dia seguinte quando soube que esse enfermeiro tinha enviado, para análise, duas ampolas de sangue sem o rótulo ou a etiqueta do «dono». Não teria acontecido o mesmo com ele próprio no dia anterior assim como com outros em situações idênticas?
PINCHA:
Pois é. Não seria melhor que os médicos, os enfermeiros e os outros profissionais pugnassem mais pela sua competência em vez de o fazerem só por vencimentos e promoções? As avaliações são importantes para todos, sejam eles especialistas, dirigentes, políticos ou gestores. Todos deveriam ser avaliados antes de «receber os bónus» e até os vencimentos que alguns mal merecem! E disse mais alguma coisa?

CÃO: Sim. Que além da «barulheira» a começar logo de manhã e do tratamento social «senhor» «você», os médicos e os enfermeiros deveriam ter mais atenção para com os doentes «conversando» com eles para lhes reduzir as dúvidas, dar esclarecimentos ou ajudar a preparar um plano de prevenção para evitar, pelo menos, futuros males semelhantes aos do momento. Não deveria ser necessário tirar a «saca-rolhas» as informações necessárias. Este doente não as teve no seu internamento anterior e isso levou-o a um segundo surto de «urgência» que poderia ter sido muito mais grave, já que não tinha em casa quem o ajudasse e cuidasse dele.
PINCHA:
É bom que, especialmente os médicos pensem nisso, já que estão no topo da hierarquia e, geralmente, dão os exemplos que os outros seguem.

CÃO: Já viste as «desgraças» a que todos nos sujeitamos?
PINCHA:
Tens razão. Pelo menos com a experiência que vamos tendo, é necessário reivindicar mais condições sociais do que só financeiras. Por agora, estás desculpado da demora de hoje e, daqui em diante, já sei onde te encontrar. Pode ser que qualquer dia até eu vá falar com o homem para saber mais «novidades» já que tu deves passar por lá muitas vezes.

4 comentários:

O homem do portão disse...

Achei interessante a vossa descrição sobre o meu caso.

Anónimo disse...

Não me falem em hospitais ou centros de saúde.
Cada vez me sinto mais aflito logo que tenho a mais pequena constipação.
Não calculo o que me irá acontecer com os «cuidados de doença» que temos neste País.

Mário de Noronha disse...

Qualquer dia, quando tiver disponibilidade, e paciência vou relatar aquilo que me aconteceu também.
Num hospital marcaram-me:
- Ecocardiograma para às 9.00 horas de 8 de Junho;
- Monitorização Pressão Arterial 24horas para às 10.00 de 7 de Julho.
Quando cheguei ao hospital, disseram-me que não havia exames naquele dia e que o Ecocardiograma deveria ser feito após a Monitorização.
Tive de esperar que o «a rede do computador abrisse».
Cerca de 20 minutos depois, quando a «marcadora do exame» apareceu e a rede abriu, fiquei sabendo que tinha sido uma troca de letras (de L para N), sem desculpas e pedir.
E se trocassem o primeiro algarismo do seu vencimento de 8 para 4, seria interessante?
Bonito país em que vivemos!
psicologiaparaque.blogspot.com

João António disse...

Quando passei uma vista de olhos pelos vossos dois blogs e vi este post lembrei-me dos casos recentes de oftalmologia do Santa Maria.
É assim que acontece muitas vezes. Passam despercebidos do grande público.
Ainda bem que existe uma imprensa pretensamente «livre» mas exagerada e interesseira.
Se também não fosse isso como se descortinariam casos semelhantes com os quais o povo iria sofrer?